Como os pracinhas venceram seu despreparo na batalha mais importante do Brasil na Segunda Guerra Mundial

A região do Monte Castelo, no Norte da Itália, foi palco da batalha mais dura que os soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB) lutaram na Segunda Guerra Mundial. Durante três meses, eles ficaram entocados no pé da montanha, enfrentando o frio extremo do inverno europeu e o chumbo grosso do exército alemão, que dominava o alto do morro com armamento pesado. Mas, no dia 21 de fevereiro de 1945, há 80 anos, depois de algumas tentativas fracassadas e centenas de baixas, os pracinhas brasileiros viraram o jogo em um ataque fulminante contra as tropas nazistas.
Em menos de 12 horas, depois de uma ofensiva com apoio aéreo e de infantaria e combinada com forças americanas que atacaram o vizinho Monte Belvedere, o Monte Castelo estava tomado. Aquela foi uma vitória fundamental para o esforço dos Aliados de fechar o cerco em torno das tropas do Eixo, já então pressionadas pela ocupação dos Estados Unidos na França, na Europa Ocidental, e o avanço da União Soviética no Leste do continente. Mas foi também uma vitória conquistada “na marra” pelos brasileiros, que chegaram à Cordilheira dos Apeninos totalmente despreparados para o combate.
Na época do conflito, o Brasil era governado pela ditadura do Estado Novo, chefiada pelo presidente Getúlio Vargas, que se manteve neutro nos primeiros anos do conflito. Em 1942, porém, o militar gaúcho fechou um acordo com os Estados Unidos, cedendo bases militares no Nordeste e também matéria prima, como borracha e minérios, essenciais à indústria bélica americana. Em troca, o Tio Sam enviou uma fortuna em armamentos injetou outros milhões de dólares na produção nacional de ferro e aço, possibilitando a criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda.
Naquele mesmo ano, ao longo de apenas seis meses, submarinos alemães e italianos reagiram à posição brasileira afundando 36 navios mercantes do país, matando mais de mil pessoas e deixando um número aproximado de náufragos. Quando, em agosto de 1942, os corpos das vítimas, muitos deles mutilados, chegaram até as praias de Aracaju, no Sergipe, houve uma comoção nacional. No Rio, por exemplo, milhares de pessoas foram às ruas exigindo uma atitude do governo. Pouco depois, a gestão Vargas declarou guerra à Alemanha e aos outros países que compunham o Eixo.
Porém, foram necessários mais dois anos até o país conseguir reunir e enviar tropas para a Europa. Entre a população, muita gente dizia que “é mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil entrar na guerra”. Contudo, em julho de 1944, o governo começou a enviar os mais de 25 mil soldados da então recém-criada Força Expedicionária Brasileira. Os primeiros 5 mil integrantes da FEB, a maioria deles jovens de origem humilde, desembarcaram em Nápoles na manhã de 16 de julho, após duas semanas cruzando o Oceano Atlântico e o Mar Mediterrâneo a bordo do navio americano General Mann.
Com o envio dos soldados, o Jornal O GLOBO também deu um passo à frente e lançou O GLOBO Expedicionário, tabloide distribuído exclusivamente entre as tropas brasileiras na Europa. Foram 37 edições que chegaram até os pracinhas no front, entre setembro de 1944 e maio de 1945, levando notícias do Brasil e da guerra em andamento. Parte do conteúdo era produzida pelo correspondente Egydio Squeff, que acompanhava as tropas. O tabloide especial tinha ainda uma página inteira com pequenos recados enviados pelas famílias dos combatentes para os parentes no campo de batalha.
“Em prece permanente, os nossos corações acompanham vossa trajetória gloriosa. Saudades. Heitor Ribeiro”, dizia a mensagem enviada aos tenentes Jessen, Homero, Haroldo, Israel, Hildon e Bravo. “Muitas saudades. Recebemos cartas e telegramas. Beijos carinhosos seu filhinho e Lygia”, dizia um recado para o tenente Luiz Gonzaga. “Recebi cartas. Saudades imensas. Penso em ti todo momento. Tua Neuza”, foram as palavras para o sargento Antônio Diniz. “Meu filho, saúde e felicidade. Breve regresso desejamos. Abraços. Maria Emília”, escreveu a mãe do soldado Homero Aranha.
O tabloide ajudava a levantar o moral das tropas da FEB em movimentação no teatro da guerra. Entre todas as missões, a mais desafiadora foi, sem dúvida, a tomada do Monte Castelo. A colina era parte da chamada Linha Gótica, uma barreira de 280 quilômetros formada pelo exército alemão no Norte da Itália, com o objetivo de impedir o avanço dos Aliados. Tomar o morro era fundamental pra controlar a cidade de Bolonha, a 60 quilômetros de distância, e acuar as forças inimigas num momento decisivo. Como a História nos mostrou, a guerra na Europa estava se aproximando da reta final.
Os pracinhas chegaram ao Monte Castelo, em novembro de 1944, com uma série de problemas para enfrentar a poderosa máquina de guerra alemã. Para começar, eles não tinham trajes adequados para o rigoroso inverno na Europa. As fardas, da cor verde oliva, eram perigosamente confundidas com o uniforme nazista. Portanto, as tropas foram aconselhadas a usar a jaqueta caqui dos americanos. Além disso, os soldados brasileiros não tinham recebido treinamento para lutar naquele tipo de relevo. Muitos sequer tinham sido treinados para usar o armamento estrangeiro que portavam.
Lutando em alternância com a 10ª Divisão de Montanha dos Estados Unidos, uma tropa de elite, os soldados da FEB realizaram duas tentativas de dominar o monte, mas foram repelidos e suportaram centenas de baixas. Eles tinham que escalar uma elevação pedregosa com 25 quilos de equipamentos nas costas e enfrentar as temidas metralhadoras alemãs MG42, apelidadas de lurdinhas, cuspindo fogo de dentro de casamatas no alto da colina. Em entrevista ao GLOBO publicada em 1979, o coronel Paulo Ramos, que chefiara um pelotão no Monte Castelo, relatou as dificuldades encontradas.
“Só acabamos tomando o Monte Castelo motivados pelo desejo de vingar as vidas perdidas nos ataques anteriores”, disse o militar, então presidente da Associação dos Veteranos da FEB. “Andamos durante quatro horas na madrugada do dia 29 de novembro, com todo tipo de material pesado, em terreno lamacento e íngreme. Quando o ataque se iniciou, no amanhecer, já estávamos muito abatidos. Recebemos fogo de todos os lados, mas apesar do alto número de mortos e feridos, muitos com tiros na testa, continuávamos investindo. Os alemães, depois, chamaram a ofensiva de louca e suicida”.
A investida acontecera em condições meteorológicas totalmente desfavoráveis, que inviabilizavam o apoio aéreo ou de artilharia. Somente naquela ofensiva, a FEB perdeu 157 homens. Mesmo assim, no dia 12 de dezembro, as tropas receberam ordens para voltar à carga, sob forte chuva e neblina, mais uma vez sem a ajuda de aviões ou de bombardeio. Foi um segundo fracasso, com 145 mortos. De acordo com o major Apollo Miguel Rezk, outro veterano de Monte Castelo, não houve um soldado que não estivesse moralmente abatido depois de ver tantas mortes de colegas ao seu redor.
“Víamos nossos companheiros sendo mortos facilmente e não podíamos fazer nada além de avançar obstinadamente. O fogo vinha de todas as direções. Estávamos em situação muito inferior”.
Quando o inverno se tornou rigoroso demais, as tropas ficaram semanas estacionadas no pé do monte, escondidas em buracos cavados entre as pedras chamados de fox holes. Até que, em fevereiro de 1945, teve início um novo ataque. No dia 18 daquele mês, a divisão americana avançou sobre o vizinho Monte Belvedere, onde também havia uma forte posição alemã. No amanhecer do dia 21, enquanto as tropas do Tio Sam ainda enfrentavam resistência na colina próxima, os brasileiros deram início a uma ofensiva pesada, na qual derrotaram os alemães e dominaram o Monte Castelo.
Nos meses seguintes, a FEB seguiu travando batalhas duras, suportando baixas mas, ainda movidos pelo sentimento de vingança, colocando nazistas pra correr. Em Montese, os brasileiros conquistaram a vitória às custas do maior número de mortes em um mesmo dia. Foram mais de 400 baixas.
Os pracinhas voltaram ao Brasil a partir de julho de 1945. No dia 18 daquele mês, milhares de pessoas foram ao Porto do Rio, na Praça Mauá, para saudar os soldados no seu desembarque. Em seguida, as tropas foram celebradas por meio milhão de brasileiros durante um desfile na Avenida Rio Branco. A FEB se tornou motivo de orgulho para o país. Em 1960, foi inaugurado, no Aterro do Flamengo, na Zona Sul do Rio, o Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, onde estão sepultados os corpos de 462 que caíram durante a campanha brasileira na Itália.
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